UMA VIDA DEDICADA À MÚSICA E AOS MÚSICOS BRASILEIROS

1931 – Rui Barbosa/Ba - Rio de Janeiro/RJ

Compositor, violinista, violista e regente, Nelson Macêdo nasceu em Rui Barbosa/BA em 1931. Em Salvador, estudou escultura na Escola de Belas Artes da UFBA – premiado no II Salão de Artes Plásticas – e violino, no Instituto de Música da Bahia. Radicado no Rio de Janeiro desde 1953, iniciou seus estudos de composição com o professor Paulo Silva, aperfeiçoamento em violino e viola, com a professora Paulina D’Ambrósio.  

Diplomado em violino, viola, composição e regência pela Escola Nacional de Música da Universidade do Brasil, nas classes da professora Paulina D’Ambrosio e dos maestros José Siqueira e Eleazar de Carvalho, Nelson Macedo, a convite do governo francês, também fez aperfeiçoamento em viola com os professores Serge Collot e Ettienne Ginot, no Conservatório de Paris, e música de câmera com Jacques Ripoche.  Em 19....,  já como profissional renomado, passou a fazer parte do corpo docente da Escola de Música da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como 1º Professor de viola concursado, inaugurando assim, somente em 19... a classe de viola da escola de música daquela universidade, onde também auferiu o título de Mestre.

Em uma vida totalmente dedicada à música, em mais de 50 anos de intenso exercício profissional, Nelson Macedo atuou, sempre em evidência, nos mais variados cenários da vida musical brasileira. Como integrante do naipe de cordas das principais orquestras sinfônicas do Brasil, foi 1º viola-solo da Orquestra Sinfônica do Teatro Municipal do Rio de Janeiro e concertino da Orquestra Sinfônica Brasileira, atuando também como regente convidado dessas importantes orquestras sinfônicas cariocas. Como camerista, impôs a sua marca como incansável divulgador da música brasileira, ampliando a disseminação da música de câmara de nosso País. Ao lado dos violinistas João Daltro de Almeida e José Alves da Silva e do violoncelista Márcio Malard, integrou o “Brasil Quarteto”; como violonista, formou o “Duo Paganini” na companhia do violinista Giancarlo Pareschi.

Personalidade visionária, de espírito inquieto e grande capacidade de persuasão e empreendedorismo, Nelson Macêdo, na década de 1960, agregando sob sua liderança jovens músicos brasileiros que, assim como ele se iniciavam na profissão, promoveu a fundação da Sociedade Artística e Cultural “Os Novos” que, através da orquestra “Os Cameristas” e do coral “Artis Canticum”, realizou uma série de apresentações, com a finalidade de divulgar a música brasileira de concerto em nosso País. À frente do Coral “Artis Canticum” realizou a primeira audição mundial da “Bachianas Brasileiras No. 9” de Heitor Villa-Lobos em sua versão original para orquestra de vozes.

Suas ações em defesa e divulgação do músico e da música brasileira, iniciadas ainda nos tempos da universidade, como presidente de diretório, conduziram-no à liderança da classe dos músicos cariocas; foi presidente do Conselho Regional da Ordem dos Músicos do Brasil, do Sindicato dos Músicos do Rio de Janeiro e da COOMUSA – Cooperativa dos Músicos do Rio de Janeiro. Idealizador, fundador e primeiro presidente da AMAR – Associação de Músicos, Arranjadores e Regentes, garantiu a essa categoria de músicos profissionais, os direitos conexos pela participação em gravações comerciais. Durante sua gestão como presidente do Sindicato dos Músicos do Rio de Janeiro, realizou uma produção inédita no País ao gravar obras – a maioria em primeira gravação mundial – de 29 compositores brasileiros, num total de 11 Lps, com a participação dos mais destacados intérpretes brasileiros, através de convênio firmado entre “Os Novos”, o “Sindicato dos Músicos” e a “Associação Brasileira dos Produtores de Discos” (ABPD).

Vislumbrando um ensino da música voltado para as nossas raízes culturais, em contraponto com os já ultrapassados programas de ensino das escolas de música oficiais, idealizou a Escola Brasileira de Música - EBM. Liderando um corpo docente altamente selecionado, experimentou, com sucesso, nessa escola, novas metodologias do ensino da música brasileira, resultando na edição de .... livros didáticos. Em 1988, a EBM, seguindo os anseios democráticos provenientes da abertura política no Brasil, realizou, em conjunto com a equipe de educação do Museu Villa-Lobos, projeto pioneiro na área das ações sociais pela música - hoje tão disseminadas em nossa sociedade - e criou a “Associação dos Amigos da Música”, com a finalidade de promover a formação musical de jovens de favelas do Rio de Janeiro. Através da sólida qualificação profissional recebida na EBM, alguns desses jovens músicos se lançaram no mercado de trabalho com grande êxito, chegando, inclusive, à universidade.

O COMPOSITOR:

Em paralelo ao seu envolvimento com a música e a vida musical brasileira, através de um intenso exercício profissional em suas variadas nuances, Nelson Macêdo desde os primeiros exercícios de harmonia, contraponto e fuga com o grande  mestre Paulo Silva, sempre se forçou a reservar uma parcela de seu tempo para se dedicar à instintiva compulsão que o arrebatou desde sempre, como força maior, a composição. Até que, ao completar setenta anos de idade, e já consagrado pelo conjunto de sua obra musical e respeitado pela sua atuação no cenário musical brasileiro, optou por aposentar-se de suas funções cotidianas como professor e músico de orquestra sinfônica, para realizar aquela que sempre foi a sua maior aspiração: a dedicação, em tempo integral, à composição. Por essa época, já recebera do compositor e maestro César Guerra Peixe a dedicatória da obra “Roda de Amigos” (levada, sob a regência do Nelson, em primeira audição) e a insígnia:“Nelson Macedo é um profissional que sabe escrever música”.  

Os louros por suas criações Nelson não os obteve através de prêmiações da "Academia", mas pelo valioso reconhecimento entre seus pares, através da  execução e/ou gravação de suas obras pelas principais orquestras do Rio de Janeiro e interpretadas por grandes músicos brasileiros, a ressaltar:  as “Fantasias” – um conjunto de sete obras para instrumentos solistas e orquestra, dentre outras composições que expressam com muita força a essência das raízes africanas em nossa cultura, muito fortemente encontradas no auto-coral sinfônico “Zumbi-Jaga de Matanga”, para narrador, voz de baixo, coro misto e orquestra, com texto do escritor Nei Lopes ou no duo “Abolição da escravatura”, para violino e bateria. Esbanjando estruturas rítmicas das danças brasileiras no “Trio Brasileiro” para flauta, violão e cavaquinho ou explorando o lirismo da canção brasileira, através das “Cinco Cantigas de Amor” para voz e violão, onde “uma bela convivência com a poesia’ de Manuel Bandeira, Ferreira Gular, Manoel de Barros “num brasilismo que nos envaidece” - como escreveu o cineasta Xavier de Oliveira -, Nelson foi tecendo o seu percurso, retratado através de um catálogo de obras para variadas formações instrumentais, em que as referências aqui relacionadas, servem apenas como uma exemplificação.

Em plena maturidade artística, e vivendo um período de grande fertilidade criativa, Nelson já prestes a completar 80 anos e caminhando rumo à sua ancestralidade num mergulho pelo sertão baiano, compôs “Guerra de Canudos”, para coro misto e orquestra - ainda inédita - inspirada no livro “Os Sertões” de Euclides da Cunha. Antes, porém, tratou de deixar registradas através de gravações, obras inéditas, que privilegiam – também em retorno às suas raízes - dois dos seus instrumentos ainda pouco contemplados em suas composições: no CD “Suite das Origens - Daniel Guedes interpreta Nelson de Macedo” apresenta obras para violino, algumas delas compostas especialmente para esse virtuose do violino brasileiro; e no CD “Lembranças da Serra de Orobó”reúne obras para violão solo ou acompanhado, interpretadas pelo violonista costa-riquenho - radicado em Salvador/Ba - Mario Ulloa, com participações especiais da soprano Adriana Clis e do violoncelista Márcio Malard. Nessas gravações, Nelson vivencia com muita intensidade uma de suas principais características: a amálgama criativa entre o compositor e o intérprete. Essas experiências vivenciadas com a grande maioria de seus intérpretes e, não raro, convertidas em relações de profunda amizade, Nelson as coleciona, como valiosos troféus a coroar-lhe a existência enquanto músico-compositor, pela distinção suprema que elas representam: o reconhecimento entre seus pares. 

Valdinha Barbosa/RJ, outubro de 2013                                ...


O SERTÃO DA BAHIA: ORIGEM E TRADIÇÃO

1931 – Ruy Barbosa/Ba

Na cidade de Ruy Barbosa, antiga cidade de Orobó - localizada aos pés da Serra de Orobó, região da Chapada Diamantina, centro-norte do Estado da Bahia – no dia 06 de março de 1931, sob o signo de Peixes, nasce NELSON BATISTA DE MACEDO, décimo filho de João Baptista de Macedo (Cumbe – atual Euclides da Cunha/Ba – 1895-1955) e  Saló Cardozo de Macedo (Vila de Orobó – atual Ruy Barbosa/BA – 1903-1963). Avós paternos: José Baptista de Macedo e Maria Baptista de Macedo. Avós maternos: Gregório Cardozo de Mello e Anna Fellippa de Mello.  Dos 21 filhos de D. Saló e Seu João, apenas 10 sobreviveram às doenças infantis, numa época em que a mortalidade infantil era muito alta, nos rincões de nosso País:  Joaquim (1926), Manoel - Né (1928),  Nelson, (1931) Anna (1932), Gregório (1934), Hermes (1936), José – Zeca (1939), Humberto (1940, Maria – Lio (1941) e Osvaldo (1942). A esses  filhos, somaram-se  Maria e Lelinha, filhas órfãs de uma irmã de D. Saló, criadas pelo casal, como verdadeiras filhas.

"O meu pai, Seu João,  era do sertão da Bahia, de uma cidade chamada Cumbe, um município vizinho de Canudos, que hoje tem o nome de Euclides da Cunha. Filho de uma família de muitos irmãos, meu pai ainda muito jovem se apaixonou por uma moça do vilarejo. O meu avô não aprovou o casamento e o meu pai, então, fugiu  de casa  e saiu mundo afora.  Acabou se fixando em Orobó – a 60 léguas de distância (cerca de 350Km) de sua cidade natal -  onde conheceu a minha mãe,  D. Saló  e tiveram 21 filhos – quase um filho a cada ano. Quando casaram, meu pai estava com 25 anos  e  minha mãe com 17. Meu pai começou ganhando a vida como tropeiro  e,  com a força de seu trabalho, acabou um homempróspero, proprietário de grandes fazendas".


INFÂNCIA ENTRE A FAZENDA MACEDÔNIA E A PACATA RUY BARBOSA

Entre a vida selvagem em terra de chão batido e onça pintada, na fazenda Macedônia e o contato com a civilização, na pacata Ruy Barbosa.

1931-1945 – Fazenda Macedônia-Rui Barbosa/Ba

"Quando eu nasci, a cidade de Orobó, onde o meu pai casou, já se chamava Ruy Barbosa. Até os 13,14 anos fui criado entre essa cidade - onde os meus pais também tinham uma casa - e a fazenda Macedônia, que ficava a uma distância de  sete léguas (cerca de 50 Km).  Minha vida na fazenda era a de um autêntico selvagem, em  terra de sertão bruto, mata virgem e onça pintada.  Eu ficava na cidade apenas nos períodos de aula. Ruy Barbosa daquela época era uma cidade muito pacata. Lá, eu e meus irmãos tínhamos aula com uma professora – nem sei se era numa escola! –, e aprendíamos à base de bolo de palmatória, puxões de orelha, fila para arguição. E quando a gente errava, o colega que acertava é que batia com a palmatória na palma de nossas mãos.  A gente aprendia a ler cantando a tabuada: "dois e um, três; dois e dois, quatro;  dois e três cinco"... e cartilha do ABC – “b com a, b-a-bá; b com e, b-e bé...”  e assim ia até  a última lição, que iniciava assim: “A preguiça  é  chave da pobreza...” . Eu gostava daquela cantoria, aquilo me encantava! Como também me encantavam os cantos de trabalho, que eu ainda sei um bocado. Sertanejo trabalha cantando, principalmente na roça, capinando, plantando, ou fazendo coivaras. Para mim, aquilo tudo era uma beleza"


OS PRIMEIROS CONTATOS COM A MÚSICA E A PROIBIÇÃO PATERNA

O fascínio pela música e o trauma da proibição paterna: Seu João queria o filho doutor. Durante anos, não conseguia ouvir as bandas de música de sua cidade. Tampava os ouvidos e se escondia até não mais poder ouvir nenhum som.

1942 – Rui Barbosa/Ba

"Na minha família não havia nenhum músico, mas quando eu estava com uns 11 anos, apareceu lá em Orobó um mestre de banda  que resolveu ensinar música para a garotada. O meu irmão mais velho, Manuel, pediu a meu pai para ter aulas de música e ele deixou. O Né trazia as lições para casa e eu ficava olhando ele solfejar. Aquilo começou a me interessar.  Era tão diferente de tudo o que eu aprendia na escola!  Pedi para o meu pai me colocar na aula também. As pessoas que aprendiam música lá eram todos marmanjos e houve uma certa resistência, porque eu era muito pequeno. Mas eu insisti, meu pai acabou permitindo e o mestre Elias, um velhinho de cabeça branca, muito simpático, me aceitou. Resultado: o meu irmão não passou da 5ª lição. Ele não dava  pro negócio...  e eu, no meio de todos aqueles marmanjos, em dois meses já solfejava tudo e me tornei o “garoto novidade”. Eu aprendia tudo com muita facilidade e solfejava tão bem que passaram a me pedir para fazer demonstrações:  "vem cá, canta aqui...". Passaram a achar que eu pegava de ouvido, mas Mestre Elias deu várias demonstrações de que eu sabia mesmo. Aí foi aquele negócio: fiz a fama, deitei na cama... O tempo passou, terminaram as lições, eu fiquei maior, e chegou a hora do instrumento. Meu pai não quis comprar. Não queria ter um filho músico: todo músico, pra ele, era cachaceiro, vagabundo. Ele queria que eu estudasse pra ser doutor. O mestre da banda, que gostava muito de mim,  me emprestou um flautim. Eu  peguei o instrumento e fui correndo  pra casa, louquinho, feliz da vida! Comecei a explorar o instrumento, soprando, tentando tirar  um som. Uma semana depois, antes de eu ter a minha primeira aula do instrumento, meu pai me fez devolver o flautim. Eu podia pegar tuberculose: “todo mundo soprava naquilo e ele não queria filho tuberculoso...” Eu chorei muito, mas tive que devolver o instrumento e  não consegui fazer a formação prática. O mestre Elias, com a continuidade de suas aulas, acabou formando duas bandas na cidade. A  proibição de meu pai me deixou muito triste.  Tão triste, que não conseguia ouvir  o som das bandas. Quando elas saíam em retreta pelas ruas de Ruy Barbosa,  eu corria, tampava os ouvidos, e me escondia, até não poder ouvir mais nenhum som. Foi um enorme trauma".

 

Primeira lição de música do Nelson


A DESCOBERTA DE UM NOVO TALENTO: A ESCULTURA

Entristecido com a proibição paterna, Nelson abdica da música. Manuseando um canivete com extrema habilidade, diverte-se, enquanto pastoreia ovelhas, ao transformar cascas de árvores em esculturas que retratam o seu pequeno mundo.

1943-1945

"Na fazenda, eu fazia todo tipo de trabalho e, como todo garoto do interior daquela época, portava um canivete que eu manuseava com grande habilidade. Com esse canivete e pedaços de madeira -  enquanto tomava conta das ovelhas no pasto, sentado à sombra de uma árvore -, esculpia animais, santos, figuras humanas, com muita facilidade. Era a minha curtição! Então começaram a me chamar “santeiro”. Eu até nem fazia tantos santos... Na verdade eu fazia mais bichos; todo tipo de bichos: ovelhas, camelos, bois, tudo em madeira de casca de cajá, que é uma madeira muito boa para esculpir. Quando completei 14 anos, chegou a minha hora de ir para Salvador estudar. O meu pai, por ser semianalfabeto, botou na cabeça que todos os filhos deveriam ser “doutor”. Mais uma vez, tive que abrir mão daquilo que gostava. Eu adorava a vida na fazenda! E chorei muito, quando tive que viajar para Salvador”.


SALVADOR: O SONHO PATERNO DE VER O FILHO DOUTOR

Aos 14 anos, o menino “santeiro” de Orobó inicia uma nova fase: enfrentando uma viagem que durou dois dias - a cavalo, depois de trem, numa canoa e finalmente a bordo de um navio a vapor – chegou a Salvador para realizar o sonho paterno de ser doutor.

1946

"Quando os filhos chegavam a uma determinada idade – por volta dos 13, 14 anos – o meu pai ia mandando um a um para Salvador. As meninas iam para um colégio interno de freiras e os homens iam para a casa de uma tia solteirona. Ele pagava a hospedagem e todas as despesas e a gente ficava lá, estudando. Assim, todos os filhos chegaram à universidade.  A viagem de Orobó para Salvador, quando eu fui pela primeira vez, foi uma odisseia. Nessa época ainda não havia ônibus em Orobó e tínhamos que pegar o trem numa cidadezinha chamada Paraguaçu, a uma distância de 06 léguas de Orobó. Eu e meu pai viajamos a noite toda a cavalo e chegamos em Paraguaçu pela manhã a tempo de pegar o trem, tipo Maria Fumaça, até São Felix. Já era noite quando chegamos a São Félix. Lá, pegamos uma canoazinha, atravessamos o Rio Paraguaçu para chegar a Cachoeira, que fica na outra margem. Como já era noite, dormi com meu pai em Cachoeira para, no dia seguinte, de manhã cedinho, seguir de “Vapor” – uma espécie de navio – para Salvador. Nessa altura a minha cabeça já estava... Eu nunca havia saído do interior, não conhecia trem, navio, luz elétrica, nada..."


EM SALVADOR, O RECONHECIMENTO DO TALENTO DE ESCULTOR

Seu João parecia não se importar que o filho, em vez de doutor, se tornasse um escultor. Como verdadeiros troféus, exibia para toda Ruy Barbosa, as esculturas em gesso que chegavam de Salvador.

1947 – Salvador

 “Quando eu fui para Salvador, os meus dois irmãos mais velhos – Quinzinho (Joaquim) e Né (Manoel), já estavam lá. Logo que cheguei, fiz o exame de admissão e, no ano seguinte, entrei para o ginásio. Joaquim – o meu irmão mais velho que cursava arquitetura -, gostava muito das esculturas que eu fazia e, como achava que eu levava jeito pra coisa, um dia... nessa época, o governador da Bahia, Otávio Mangabeira  fazia  uma coisa muito interessante: uma vez por semana, colocava uma mesa na entrada do palácio e recebia a população, em audiência pública. Veja só? Como na época dos reis... recebendo os seus súditos. Era um fila enorme e o governador ficava lá ouvindo os pedidos, as queixas, etc. Então o Joaquim foi  numa dessas audiências com o Governador: levou um saco com todas as esculturas que eu tinha feito lá na fazenda e fez aquela choradeira, explicou que meu pai tinha muitos filhos, que ele estava estudando com muito sacrifício e que o irmão mais novo tinha chegado e que fazia aquilo: e botou na mesa todas aquelas coisas que eu fazia.  Na mesma hora o governador me deu uma carta de recomendação para o Instituto Baiano de Artes Plásticas, onde  eu iniciei a minha formação em escultura, matriculando-me no curso de “Desenho e Modelagem”. Quando concluí o ginásio, já fiz direto o vestibular para Escultura. Naquela época, não precisava ter o segundo grau para entrar na Escola de Belas Artes. Meu pai ficava todo bobo quando recebia lá em Ruy Barbosa alguns dos meus trabalhos já transformados em gesso, e saía mostrando o que o filho dele tinha feito, pra tudo quanto era tabaréu, que nem sabia direito o que era aquilo... Até aí, a música passava para mim como uma coisa muito distante - muito distante mesmo.  Acho que, inconscientemente, eu procurava mesmo não me lembrar que um dia, em criança, eu queria ser músico... aquela coisa da  proibição do meu pai me marcou muito...”

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